Plano
de emergência
Seis
horas, um café, uma despedida. Ela, trabalho, eu, folga inesperada,
direto pra estrada.
Mil
destinos vieram à minha mente, mas a previsão do tempo removeu
novecento e noventa e nove. É, pra baixo mesmo.
O
clima tentava me dissuadir, mas confiei na previsão. Subi a Tamoios,
peguei a marginal como sempre com o cu na mão, e segui sentido
Sorocaba conhecer a famosa Rastro da Serpente e suas mil de duzentas
curvas. A única coisa que tem mais que curva lá, é buraco e
caminhão. O lado paulista não tem nem vista bonita.
No
bar do rastro da serpente, lá em campo belo ou algo assim, um
brother muito gente boa restaurando uma cb450 puxou assunto e
conversamos um bocado.
Dei
uma paradinha em Apiaí tirar a foto obrigatória e segui para o lado
paranaense, com uma vista sensacional, mas com mais buracos ainda.
Mas esse trecho vale todo perrenge, é lindo demais!
Chego
perto de Curitiba e me desvio para Morretes, contornando por estradas
de terra até a entrada da sensacional Estrada da Graciosa. Desço a
serra babando no visual e deixo pra tirar fotos no outro dia. Paro
num camping logo ali, “Recanto das Cachoeiras”, a R$20, de frente
pra uma queda d'agua e com uma trupe de cachorros contentes.
Fui
conhecer a cidade de Morretes, muito bonita, a famosa organização e
limpeza dos paranaenses se faz presente, cidade muito agradável.
Enquanto admirava a orla da cidade à beira do rio, uma picada no
pescoço muito dolorida... Voltei pro camping onde depois de um banho
gelado e um de chuva até chegar na barraca preparei um cupnoodles e
apaguei. Essa noite caiu o mundo, choveu demais.
Acordei
atrasado, ainda cansado de ontem. Desmontei o acampamento e saí, sem
me lembrar de fazer a olhadinha básica na moto antes.
Chovia,
aquela chuva chata que só faz sujeira. Cheguei a cogitar voltar. Mas
já estava ali, e missão dada é missão cumprida.
Não
demorou a me lembrar: numa das primeiras curvas subindo a Graciosa, a
corrente escapa e dou um cavalo de pau involuntário no meio da
estrada, por sorte sem cair. Arrasto a moto com a roda travada até o
canto da estrada onde fico um bom tempo até conseguir consertar a
cagada e esticar direito a corrente.
O
paraná deve ter ficado triste com a minha partida, pois parece que
chorou da hora que acordei, até exatamente a hora em que entrei em
Santa Catarina. Na divisa, céu azul e asfalto seco!
Santa
Catarina foi uma surpresa agradável. Minas ainda é o estado do meu
coração, mas Sta Catarina está bem perto! Segui pela 101 até
pouco antes de floripa, entrei pra uma estrada secundária onde havia
até um trechinho offroad, e um visual sensacional dos picos a
caminho de Urubici, onde estou em um dos campings mais sensacionais
que já fiquei, o Nossa Senhora, a R$35 com café da manhã e
chuveiro bem quente.
São
três serras mais conhecidas no sul brasileiro, todas na divisa
SC/RS. Meu objetivo era fazer todas.
Depois
do sensacional café do camping Nossa Senhora e de um bom papo com o
dono, fui conhecer o Corvo Branco, escavada na pedra para não
precisar de construir um túnel, e, segundo algumas pessoas da área,
é deixada destruída deliberadamente pelos governantes devido à
conflitos por terras em reservas.
No
caminho, parada para subir o Morro da Igreja (agendado previamente,
no fim do dia anterior), perfeito pra ficar contemplando a vista lá
de cima, mas tinha muita gente mesmo tendo ido bem cedo. Tirei as
fotos clássicas e desci, parando na cachoeira logo no final chamada
véu da noiva, totalmente sem graça e com o nome mais não-criativo
da história.
Pensei
em descer o corvo branco e subir pelo rio do rastro, mas fui
desencorajado. “Não há nada bonito lá em baixo”, disseram, e
assim fui enganado. Desci, virei, subi e fui descer pela SRR. O corvo
branco é a estrada da morte brasileira. Desfiladeiros desprotegidos,
muitas pedras e buracos. Mas um visual que compensa qualquer desafio.
E na calma, não oferece (tantos) riscos.
Retornei
a Urubici e toquei pra Bom Jardim da Serra, passando na saída da
cidade pela linda cachoeira do Avencal, com uma excelente área de
camping. Na próxima fico uma noite por lá.
Já
com relação a SRR, não vou me alongar: é tudo que dizem e muito
mais, e não há foto que faça jus a essa maravilha. Uma palavra:
vá!
Pensei
em subir novamente a serra no final e tentar ficar em São José dos
Ausentes, mas me deixei levar e fui procurar algum lugar no litoral
(troféu anta de ouro), em pleno sábado.
Parei
na primeira cidade que o mapa de campings dizia ter um. Ao chegar,
desativado. Com a maior falta de vontade do mundo um cara apareceu e
disse que o camping não funcionava mais. Procurei e não havia outro
na região de Araranguá. Parei num posto para pensar o que fazer, e
a atendente disse pra seguir até a próxima cidade, Sombrio (que
nome hein!), que lá com certeza haveria.
Tranquilidade
total, só que não. Consegui um camping de frente pra praia, na
avenida principal. A cidade estava relativamente vazia. Estava.
Era
próximo das 21:00h quando a noite chegou. Fiquei um bom tempo
conversando com o vizinho de barraca, mecânico de barcos de porto
alegre bom de papo. Fui dormir.
A
noite é uma história a parte, já que logo que entrei na barraca
pra dormir, um filho da p%$* vi@*$ co#@$ parou uma po@#$ duma L200
com som até no rabo do lado de fora do muro exatamente ao lado da
barraca e deixou tocando até o talo, até o dia amanhecer, com
eventuais brincadeiras de pega pega com a polícia. Malditos
farofeiros hermanos!!! É pura e destilada falta de respeito.
Mas
amanhã é outro dia, e longe daqui.
Queria
relaxar e dormir até tarde, para chegar em Porto alegre no final da
tarde, mas fiquei tão puto que resolvi acordar cedo e conhecer as
serras que faltavam.
Desmontei
acampamento o mais rápido possível e vazei daquele lugar
traumatizante. Inicialmente a ideia era curtir a praia e ir à tarde
para Porto alegre, mas resolvi subir (e descer) de novo a serra,
afinal, por quê não?
Subi
sentido a serra da Rocinha, terceira mais famosa da região, na bela
cidade de Timbé do Sul, onde ainda voltarei pra conhecer melhor. No
pouco tempo que fiquei na cidade, achei várias cachoeiras, locais
ótimos e usados para camping selvagem, estradas desafiadoras e tudo
que a gente procura numa aventura. Como não queria me demorar, subi
a serra, nada demais pra quem já pegou as estradas de terra da
mantiqueira, mas um visual sensacional! Havia um mirante logo acima
da serra completamente deserto (quer dizer, fora as milhares de
libélulas) que deve ser ótimo pra acampar à noite. Se tivesse
chegado depois do almoço com certeza teria ficado ali.
Subo
mais um pouco e no verdadeiro final da serra, na divisa SC/RS, um
mirante mais alto, mas quando cheguei estava habitado pela Polícia
Federal com direito a helicóptero e tudo.
No
final da estrada encontra-se São José dos Ausentes e a diferença
entre SC e RS torna-se muito visível. SC é muito mais estruturado e
muito mais arrumado que o RS. Saí de São José e segui para Cambrá
do Sul, terra dos cânions, mas não ficaria muito por lá hoje:
volto logo! Passei a cidade e decidi descer pela quarta e ultima
serra do sul brasileiro, a qual não me lembro o nome, em direção à
Praia Grande/Torres, que estava em manutenção em todo o seu
percurso, E ao nível do mar, aponto pro sul e com direção à Porto
Alegre.
No
pedágio da Freeway, sinto a moto pesada, mas não me preocupo. Pelo
GPS, consigo chegar em POA no lugar certo, conhecer parte da família
que nunca havia conhecido. Prazer em conhecê-los! Amanha segue a
viagem!
O
celular não desperta, e acordo na hora em que deveria partir, um
café demorado com gosto de despedida da recém-adquirida amizade
familiar, moto preparada e... pneu dianteiro furado.
Corrida
rápida ao borracheiro e R$15 mais pobre parto em direção à
Cambará, três horas atrasado. Então, sem pressa!
Dessa
vez o caminho é todo asfalto, E rapidamente chego. Logo procuro um
camping e encontrei a Fazendo Pindorama (R$20). Deixei a barraca
montada e as tranqueiras tudo lá, e toquei pro Cânyon Fortaleza, o
que não é pago. Fazer a trilha toda, 1700m, em botas de trilha (de
moto, claro) não foi fácil. Descer também não. Mas lá de cima,
tudo é compensado. Simplesmente sensacional, uma das vistas mais
belas que já vi.
Era
visível o acúmulo de nuvens se formando e rapidamente saí dali,
não sem antes hidratar um arbusto lá, pois não tem estrutura
nenhuma o lugar.
Parecia
planejado, subi na moto, a chuva chegou, forte. “Uma pena” que
tive que desistir da
trilha
da pedra do Segredo.
Aproveitei
pra comprar erva-mate no centro antes da chuva me alcançar de novo,
fui pro camping onde a barraca já estava encharcada. A chuva chegou
logo, e fiquei fazendo hora na cozinha. Se ficar essa chuva a noite,
vou dormir aqui mesmo.
Tentando
dormir, a chuva parando, gemidos me acordam. “Alguém tá com sorte
hoje”, pensei.
Tentei
dormir novamente, mas os gemidos ficaram altos, até uns gritinhos
saíram. Resovi ir pra cozinha comer alguma coisa até o povo
sossegar.
Enquanto
preparava algo, o casal de uma outra barraca aparece na cozinha. Mas
os gemidos continuavam, e altos! Catzo, agora não entendo mais nada.
Ficamos
conversando na cozinha, quando da terceira e ultima barraca do
camping saem dois adolescentes (dois caras), que quando perceberam
que todo mundo tinha escutado e acordado com a bagunça toda, ficaram
vermelhos. E pelo jeito, quando os gemidos ficaram altos, tinha sido
“a troca”, se é que você me entende.
Quando
acordei eles já não estavam mais lá, vazaram de madrugada.
Agora
apontando norte, voltando pra casa, era a hora. Demsontei
acampamento, dando risada dos acontecimentos da noite anterior, o
tempo ameaçava chuva, e assim saí.
Passada
no Itaimbézinho pra conhecer, mais estrutura, e pago. De novo,
trilha de bota offroad não é nada legal. Mas fiz mesmo assim tudo
que podia por lá. O Itaimbezinho é lindo, apesar de que a vista do
fortaleza é melhor. No conjunto o itaibezinho leva pelas cachoeiras
e muitas trilhas da região. Por ali fiquei quase até a hora do
almoço, e decidi que dormiria novamente em Urubici na volta.
Agora
algo que nem todo mundo sabe. Nessa região do RS/SC, quase nenhuma
estrada é asfaltada. Quase tudo é terra, e algumas são bem ruins.
Dito
isso, segui rumo São José dos Ausentes, onde uma garoa fina
começou. Dali fui seguindo as placas para Bom Jardim da Serra, no
topo da SRR, pois tinha a intenção de descer e subir novamente a
serra.
É,
não deu. A chuva apertou, e a estrada foi afinando, ficando cada vez
mais difícil, até que me toquei que tinha errado o caminho. Eu já
não enchergava mais nada cheio de lama na viseira do capacete, e em
mim todo já que a porr* da capa de chuva não serve pra nada. A
chuva chegou de vez. Estava frio pra caramba. Na chegada a Divisa
RS/SC, nem vi uma cancela que tinha no meio da estrada, passei pelo
cantinho e continuei, chovia torrencialmente. No meio de uma curva
bem fechada, dei de cara com um boi e quase nos trombamos. Cada um
correu pra um lado. Eu estava realmente com MEDO, pois em alguns
lugares eu pilotei na altura das nuvens e raios muito próximos de
mim. Mas eu não tinha onde parar! Tive que continuar.Já próximo de
Bom Jardim, a chuva dá uma trégua e no lugar vem neblina. Mas
cheguei em Bom Jardim tão na merda que não quis passar na SRR e só
queria continuar sentido o céu limpo que avistava na direção de
Urubici.
Resolvi
que pararia no mesmo camping da ida. Lá tinha cobertura pras
barracas, excelente! Então até lá toquei. Cheguei até cedo, claro
ainda. Montei a barraca, tomei um banho e apaguei. Estava
extremamente exausto. Pela previsão, resolvi não perder tempo. Era
hora de ir pra casa.
Despertou
o celular às cinco. Frio do caramba, voltei a dormir. Às sete
levantei e tomei o rumo de casa. Desci de urubici até a BR101,
neurótico torcendo pra não ter nenhum trecho sem aslfalto no
caminho (e não tem mesmo).
Na
101, sem surpresas passado o trânsito caótico de floripa, toquei o
barco. Algumas horas depois passava a divisa SC/PR, Curitiba, e a
divisa PR/SP, tudo em baixo de chuva. “Estou em casa!” pensei.
Na
Régis Bittencour, a chuva foi piorando, piorando até que era
impossível pilotar. Sentia a moto aquaplanar contantemente e os
carros na pista não passavam de 60km/h. Foi a pior chuva que já
peguei em cima de uma moto. Parei em um posto, já era depois da hora
do almoço, comer alguma coisa e aguardar a chuva passar.
Passam
um par de horas e nada. Chuva torrencial. Decido subir na moto. Pneu
dianteiro furado! Porra!!! O borracheiro já tinha ido embora.
Calibrei o pneu com 50 libras e toquei o barco. Eu tinha as
ferramentas e uma câmara, mas vontade nula. Hoje eu chego em casa
nem que seja empurrando a moto!
Consigo
chegar até o rodoanel em sampa, aí o pneu zera. Vou até a marginal
tietê com o pneu zerado, calibro de novo com 50 libras e sigo.
Chego
na Airton Senna com o pneu zerado. Paro no posto de sempre, o B&G
logo antes do primeiro pedágio, calibro de novo com 50 libras e
toco.
Perto
do pedágio de guararema o pneu zera de novo. Sigo com ele zerado até
o Frango Assado em São josé dos campos. Já estou aqui caralho, não
vou ficar na estrada!!! Boto 50lb de novo. Na saída do posto, já
percebo o pneu murcho. Dura até a saída da Tamoios. fod*-se essa
merd*, vou assim mesmo!
Chego
no recém-fundado posto Olá, a poucos quilômetros de casa. Calibro
com 50lb de novo, mas agora o pneu já não enche mais. Vai assim
mesmo.
Em
Taubaté, Paro em todos os postos possíveis na cidade até chegar em
casa, as 22:30h, com a moto mal parando em pé por causa do pneu.
Feliz
e realizado, deixei a moto carregada no quintal, entrei e dormi como
há tempos não dormia. Quando passar a dor na bunda eu vou lá mexer
nela.
E
assim, termina a minha viagem mais longa até o momento, 13500km, em
30 dias rodando, dezessete estados e as cinco regiões do país.
Obrigado pela companhia na garupa e logo nos vemos novamente.
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Rastro da Serpente a caminho de Curitiba |
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Portal da Graciosa |
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Morretes/PR |
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A caminho de urubici! |
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Chegando em urubici |
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Camping em Urubici/SC |
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Pedra furada |
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Sempre achei que fosse mais perto |
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Corvo Branco, serra sensacional! |
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Subidinha da Corvo branco |
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Cachoeira logo ao lado de urubici |
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Descendo o Rio do Rastro |
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O pedal de marcha queria ficar por lá.... |
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Camping no infern... quer dizer em Sombrio/SC |
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Vai achando que tá fácil! |
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Topo da serra da Rocinha |
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Visitantes ou residentes? |
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Cânyon Fortaleza |
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Camping dos animadinhos |
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Itaimbezinho! |
E assim, termina minha jornada. Espero que tenham gostado do relato e das fotos!